O livro de Kristen Arnett coloca em foco uma família problemática composta por duas mães lésbicas e um filho de comportamento estranho
"É claro que ele consegue fazer isso, foi o que ela pensou. É claro que ele sabe se tornar um punhal e abrir um caminho a facadas."
Quando a HarperCollins entrou em contato com a gente apresentando Entre Dentes, de Kristen Arnett, uma das coisas que mais chamou minha atenção foi o fato de ser uma história sobre uma família. Com o livro em mãos, chegou o momento de mergulhar em uma narrativa simples, poderosa e capaz de envolver o leitor em uma trama onde não dá pra confiar em ninguém.
Entre Dentes apresenta três personagens centrais, mas sempre do ponto de vista de Sammie. Ela é uma mulher lésbica que é casada com Monika e elas têm um filho, Samson. Para Sammie a maternidade é um desafio assustador, já que ela tem medo do comportamento do filho. Monika trabalha fora e não passa tanto tempo em casa, o que acaba se tornando mais um problema nessa família.
"A noite até que estava agradável, fora os mosquitos, e ela só queria olhar para algo maior do que ela mesma por um momento, sentir-se menor e lembrar-se de que, no grande esquema das coisas, os sentimentos que ela tinha não durariam para sempre, eram apenas uma minúscula passagem de tempo."
A história começa com um episódio em um parque, quando Samson tinha 4 anos e um homem tentou sequestrá-lo. Sammie estranhou o fato de que o filho sorria para o homem o tempo todo e apresentou muita resistência quando ela chegou para salvá-lo.
Acompanhamos o passar do tempo e conhecemos um Samson um pouco maior e fazendo um trabalho para a escola, um boneco que era uma réplica dele. O boneco, assim como o menino, deixaram Sammie ainda mais assustada, afinal o garoto o levava para todo canto. Mas, além dela, ninguém mais reprovava a atitude do menino.
Mas, depois de uma atitude violenta do filho, elas decidem levá-lo para fazer terapia. A partir daí acompanhamos a rotina dessa família que acaba se complicando por vários outros fatores. Enquanto o filho segue como um adolescente problemático, a dinâmica familiar parece cada vez mais estranha e as decisões de todos só deixam esse quadro ainda mais caótico.
Confesso que a quantidade de tensão durante o livro não me deixou aproveitar o toque de humor sarcástico que ele promete. É uma história perturbadora e as atitudes dessas pessoas podem chocar.
“Quando ela pensava nos piores momentos da vida dela, parecia que todos começavam com aquela mesma frase curta: ‘precisamos conversar’. Uma frase projetada não para iniciar um diálogo, mas para terminar.”
A narração de Entre Dentes acompanha Sammie, mas há alguns trechos narrados do ponto de vista de personagens que estão vendo as situações de fora, e isso deixa a história muito mais interessante, porque é aí que ficamos em dúvida sobre em quem devemos confiar.
Sammie tem muitos problemas com ela mesma, com a maternidade, com a visão que outras pessoas têm dela e da forma como ela lida com o filho. A ausência de Monika em casa nesses momentos transforma isso tudo em algo muito pior, afinal, Sammie vê na esposa tudo aquilo que ela acredita não ser mais: atraente, competente e uma mãe que consegue se conectar com o filho.
Essa não é só uma história sobre família, é sobre tudo o que pode acontecer para que essa família não dê certo. É a desmistificação da família perfeita, com um toque de desconforto e perturbação.
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